Conheça o primeiro museu dedicado às pessoas trans do Brasil

Os museus têm a responsabilidade de preservar e compartilhar conhecimento e cultura. Mas, quando falamos de corpos LGBTQIAP+, nem sempre estamos bem representades nos espaços culturais tradicionais.

Por isso, neste Dia Internacional dos Museus, o Arquivo Lésbico Brasileiro inicia uma série sobre museus ligados à diversidade sexual e de gênero e te convida a conhecer o Museu Transgênero de História e Arte (MUTHA), o primeiro museu do Brasil dedicado exclusivamente às pessoas trans, travestis, não-binárias, intersexo e indígenas LGBTQIAP+. 

A proposta curatorial do MUTHA coloca essas pessoas no centro: elas podem enviar se autoarquivar e automusealizar por meio da plataforma digital do museu, tornando-se autora e curadora da própria história. É um acervo vivo, colaborativo e político.

O MUTHA contribui para promover a conscientização e o combate ao preconceito, utilizando da arte como ferramenta para a construção de uma sociedade mais democrática e menos transfóbica.

Conheça um pouco mais da história do MUTHA na entrevista abaixo: 

De que forma o museu contribui para ampliar o debate sobre as vivências LGBTQIAP+?

O Museu Transgênero de História e Arte (MUTHA) contribui para ampliar o debate sobre as vivências LGBTQIAP+ ao oferecer um espaço pioneiro de protagonismo, memória e valorização das populações corpo e gênero variantes. Diferente de outras iniciativas que abordam a diversidade sexual de forma mais ampla, o MUTHA é o primeiro museu do Brasil dedicado exclusivamente às pessoas trans, travestis, não-binárias, intersexo, indígenas LGBTQIAP+ e outras identidades que desafiam a matriz cis-heteronormativa e branca.

Ao adotar a nomenclatura “corpo e gênero variante”, o MUTHA amplia o escopo de inclusão, reconhecendo as múltiplas formas de vivenciar o gênero e o corpo ao longo da história, em diferentes contextos socioculturais e temporais. Essa abordagem permite uma leitura mais complexa e interseccional das experiências LGBTQIAP+, incorporando também as dimensões étnico-raciais, territoriais e históricas.

Além disso, o museu rompe com a lógica tradicional dos espaços culturais, ao garantir que pessoas corpo e gênero variantes estejam ativamente envolvidas nos processos de gestão, curadoria, museologia e preservação de suas próprias histórias. Isso corrige uma lacuna presente em outras instituições, onde essas populações muitas vezes não ocupam lugares de poder nem produzem suas próprias narrativas.

Os acervos do MUTHA desempenham um papel crucial na conservação e transmissão de diferentes conhecimentos, assegurando que a diversidade e a riqueza da cultura brasileira sejam mantidas e apreciadas pelas gerações presentes e futuras. As instituições nacionais, ao protegerem e promoverem seus acervos, contribuem significativamente para o fortalecimento da identidade e da coesão social, além de fomentar a educação e a pesquisa.

A educação é um dos compromissos sociais de um museu. Ela não ocorre em espaços isolados, mas constitui o próprio processo de legitimação do museu como um bem cultural coletivo. Desde a sua criação, o programa de educação do MUTHA esteve restrito à realização de cursos esporádicos, direcionados ao público-alvo do museu, quando viabilizados por editais de fomento cultural. Para os próximos 5 anos, o MUTHA busca consolidar a educação como ferramenta estratégica para troca e difusão coletiva de saberes, bem como da construção de redes comunitárias entre o próprio museu e a sociedade civil.

Qual é a importância do museu para a comunidade LGBTQIAP+ — e, especialmente, para a população trans?

O Museu Transgênero de História e Arte (MUTHA) é de extrema importância para a comunidade LGBTQIAP+ e, especialmente, para a população trans, por representar um espaço de protagonismo, visibilidade e construção autônoma de memória. Sendo o primeiro e único museu do Brasil dedicado exclusivamente às pessoas corpo e gênero variantes, o MUTHA, abrange produções de/para/com/sobre essa população, tendo atualmente a valorização das autonarrativas como base institucional.

Os acervos digitais registram e preservam a memória, garantindo o reconhecimento e a valorização de experiências e contribuições culturais ao longo do tempo. O gerenciamento e a participação social nos acervos digitais permitem que a população corpo e gênero variante contribua com sua formação ativamente, ampliando a presença dessa população no museu e a diversidade do patrimônio cultural da comunidade. Os acervos do MUTHA promovem a conscientização e o combate ao preconceito, contribuindo para a construção de uma sociedade mais democrática e menos transfóbica.

Como é feita a curadoria do museu?

Um dos processos de curadoria do museu se dá de maneira compartilhada. Arquivo Vivo é uma tecnologia de manipulação de dados com curadoria e musealização compartilhada, criada para que pessoas trans vivas possam se autoarquivar e automusealizar, enviando seus próprios objetos, definindo suas narrativas e participando ativamente do processo de musealização e gerindo a documentação museológica dos itens selecionados, como o momento de preenchimento das fichas de catalogação, dos textos da sua coleção, entre outros. Esses processos são algumas das ferramentas metodológicas do MUTHA para construir metodologias comunitárias e colaborativas em conjunto com a sociedade civil. 

Assim, a própria pessoa doadora torna-se curadora, musealizando e enviando os seus objetos através de uma tecnologia online disponibilizada no site do Museu. O Arquivo Vivo tem 6 coleções musealizadas, sendo 4 coleções disponíveis para o acesso dos públicos no repositório digital Tainacan, a Coleção Fabiane Galvão, a Coleção Keila Simpson, a Coleção Kelly Passos e a Coleção Karla Zhand; e 2 coleções ainda não disponíveis para o acesso dos públicos, a Coleção Yunna Vitória/Theo Brandon e a Coleção Sissy Kelly, que estão ainda na reserva técnica, musealizadas e aguardando cadastramento na plataforma.

Além disso, o MUTHA contou com a colaboração de instituições parceiras para a formação curatorial, com o objetivo de ampliar a diversidade de corpos, gêneros, raças, etnias, regiões e faixas etárias representadas. Foram priorizadas organizações com atuação nacional e digital, lideradas majoritariamente por pessoas trans, como o Cats (Coletivo de Artistas Transmasculines), o Tranzborde (núcleo de pesquisa com foco em vivências trans não brancas), a Brava (empresa de educação em gênero, raça e sexualidade) e a Rede de Estudos Trans-Travestis. Essas parcerias foram fundamentais para garantir uma curadoria plural, sensível às especificidades das vivências trans e às interseccionalidades de raça, classe e território.

Por fim, o museu está desenvolvendo um segundo processo curatorial que culminará na criação de um Conselho Curatorial em 2025, composto por diversas pessoas curadoras, reafirmando o compromisso do MUTHA com uma museologia democrática, interseccional e decolonial. Dessa forma, a curadoria no MUTHA não é apenas um processo técnico, mas uma ação política de reparação, visibilidade e reconhecimento das histórias e subjetividades trans.

Qual o diferencial do MUTHA em relação aos museus mais tradicionais?

O principal diferencial do Museu Transgênero de História e Arte (MUTHA) em relação aos museus mais tradicionais está em seu caráter de gestão autônoma, pela e para a população corpo e gênero variante. Enquanto os museus convencionais, mesmo quando abordam temas LGBTQIAP+, frequentemente operam a partir de uma lógica institucional centrada em perspectivas cisnormativas e excludentes, o MUTHA estabelece outro modelo ao colocar pessoas trans, travestis, não-binárias, intersexo e indígenas LGBT+ no centro das decisões, curadorias e processos museológicos.

Além disso, o MUTHA adota uma abordagem interseccional e anticolonial, reconhecendo e integrando vivências racializadas, afro-diaspóricas e indígenas, e tratando o corpo e a identidade de gênero como construções históricas, políticas e culturais. Outro diferencial marcante é seu compromisso com a empregabilidade e a valorização artística por meio do Arquivo Artístico de Dados (AAD), que mapeia e promove produções culturais de pessoas corpo e gênero diversas em várias linguagens criativas, algo que vai além da preservação e se vincula à transformação social. O MUTHA também, ao funcionar como uma plataforma de geração de renda, especialmente com o plano de criação de uma loja virtual, estabelece contratos culturais com artistas e produtores trans.

Como o público pode acessar o acervo e os conteúdos do museu?

O público pode acessar o acervo e os conteúdos do Museu Transgênero de História e Arte (MUTHA) de forma gratuita e online, por meio de seu portal oficial: mutha.com.br. O museu oferece diversas formas de acesso:

Arquivo Histórico do MUTHA (AHMUTHA): Este arquivo digital reúne coleções de caráter misto — bibliográfico, artístico, fotográfico, científico, histórico e documental — com foco na memória da população corpo e gênero variante no Brasil. O acesso é público, mas alguns conteúdos sensíveis possuem camadas de privacidade. Para obter acesso completo, é necessário preencher um formulário de solicitação disponível no site.

Arquivo Artístico de Dados (AAD): Voltado para a visibilidade e empregabilidade cultural, o AAD é uma base de dados interativa onde artistas trans podem se cadastrar e divulgar suas produções. Qualquer artista trans pode preencher o formulário disponível no site para integrar o arquivo.

Galeria Virtual: O MUTHA disponibiliza exposições online, como “Transespécie” e “Transjardinagem”, que apresentam obras de artistas trans de diversas partes do Brasil. Essas exposições estão acessíveis na seção “Galeria” do site.

Projetos e Publicações: O museu também oferece publicações digitais, como o e-book “Primeira Política de Acervos”, que detalha os princípios e procedimentos de gestão do acervo do MUTHA. Esses materiais estão disponíveis para download gratuito na seção “Projetos” do site.